28 julho 2009

Pai sofre II

Sexta-feira passada, depois de um dia de trabalho e 250 Km de buraco com um pouco de estradas, fui à consulta de obstetrícia com a minha grávida.
Como a minha senhora tem a vã esperança de que a consulta comece a horas, chegamos cerca de 15 minutos mais cedo do que era suposto.
Resultado: em vez de esperarmos 1 hora, esperamos 1h e 15 minutos...
No entanto, o intuito deste post não é falar mal do facto de ter estado à espera, este post tem, como fundamental objectivo, explicar a tormenta que é passar 1h e 15 minutos a ver os "morangos com açúcar"!
Aliás, antes de mais, gostaria de saber uma coisita (se alguém me puder ajudar): porquê raio, todas as salas de espera deste país, equipadas com uma televisão, têm, como canal de eleição, a TVI? Já estive 45 minutos, numa sala de espera dos HUC, a ouvir a voz esganiçada da apresentadora do programa da manhã daquela estação, lado-a-lado das estroinas e coloridas roupas do Goucha! E não se pode fugir; está-se ali a ouvir, sim porquê para não ver basta virar a cara, mas meter dois dedos (ou outros objectos) nos ouvidos dá mais nas vistas.
E lá estava eu, petrificado. O medo não vinha do facto de saber que a consulta iria demorar,isso eu já tinha assumido como fatal, mas sim, do tempo de espera até ter a consulta. Poderia ser meia hora, 45 minutos,...
, e isso assustava.
Mudei de cadeira para uma que estivesse a uma distância na qual a imagem ficasse mais distorcida e o som chegasse em piores condições. Tal era ridículo numa sala de 20 m2
, mas o desespero tem destas coisas.
Desisti e resolvi que tentaria ver o mínimo possível. Tentei me acalmar com o facto de que poderia me interessar com qualquer coisa que estivesse na sala de espera e, assim, o tempo passaria mais depressa. Olhei à volta e pensei comigo mesmo no que, dentro de uma sala de espera de ginecologia/obstetrícia, teria o condão de me distrair. Nada. Não existe nada num lugar desses que distraia um homem. As revistas são de gajas, os poster são de aparelhos genitais femininos (sãos e doentes), as doentes/utentes só falam de coisas de gaja ou mal de outras gajas. Mesmo as fotos de mulheres nuas das revistas são de senhoras prenhes, algo que não desperta grande interesse em mim. Eu sei que existem taras por grávidas, epá, mas não é muito a minha "cena".
Restaram-me os comerciais da televisão, mas mesmo esses estavam todos virados para a desneuronização imberbe: girl-band que não lembro o nome, 200º CD dos morangos e reclame das, infindáveis e inúmeras, novelas da TVI.
Já disse que a TV estava em altos berros? Isso é outra coisa que acontece muito em salas de espera, mas fica para outro post, qualquer dia.
Continuando...
Falei, à minha esposa, que só o meu amor por elas fazia com que ainda não tivesse atentado contra a minha própria vida. Expliquei que estava assim por perder a "virgindade" dos morangos. Ela riu-se e disse que era por uma boa causa.
Via a minha vida a andar para trás e rendi-me à triste evidência de que teria de esperar e aguentar todo aquele cenário.
Os comerciais acabaram e voltaram as cenas da novela (?) adolescente. Decidi que iria prestar atenção para tentar encontrar assuntos de interesse para escrever um texto neste blog. Imaginei que seria simples, afinal tratava-se de um alvo fácil, tantas vezes ironizado e ridicularizado, tal e coisa, coisa
e tal... mas ainda foi pior. Aquilo não tem ponta por onde se pegue. Enredo? Figurino? Eu com uma handycam e dois putos escolhidos à sorte, à porta de um liceu qualquer, faria um trabalho muito melhor e, se tremesse um pouco a câmara, até colocavam o selo "independent cinema"!
Olhem que até têm o Nicolau a fazer de avô! Depois de "corrupção", "call girl" e afins, o quê porra faz ele aqui? Mas "prontos"...
A série(?) recomeçou com um casal de miúdos, que supostamente tinham menos de 16 anos, com uma brutal caneca de jola cada um, a falar de política estrangeira, cinema francês e literatura romântica; ok, não era bem isso, mas como não ouvi o diálogo supus que talvez falassem disso. Então o quê me chamou a atenção nesta cena? Toda a cerveja que bebi na vida não enchia a caneca daquelas personagens. Como é possível combater o alcoolismo adolescente se se passa a ideia de que é "cool" beber? Parabéns aos criadores desta treta.
Siga o baile.
Na cena posterior, aconteceu um flerte entre dois mini-actores. Na minha altura, as trocas de olhares duravam cerca de 0,001 seg e só eram detectadas por outros olhos muito atentos e... interessados. Depois disso passava-se a outros estratagemas: sorrisos, gestos e, se se tivesse coragem, partia-se para uma conversa. No flerte da TV, a rapariga choca, literalmente, nariz contra nariz, com o rapaz e... nada acontece; ficam mais uns intermináveis 2 minutos da cena a olharem-se fixamente, como um cão para a montra de um talho, com a saudável companhia de um Shot, sem nada dizerem ou fazerem. Assim, se dependesse deles, a humanidade desapareceria num futuro não muito longínquo; primeiro porque nada aconteceria, segundo porque, mesmo que acontecesse, o álcool diminui a espermatogénese.
À medida que as cenas foram passando, reparei que não havia ninguém feio dentre as personagens; ninguém nem gordo demais, nem magro demais; os rapazes altos, magros e com despenteados da moda; as raparigas de 16 anos, com corpos de 23, sem pingo de gordura e bronzeadas. Mas que puta de utopia! Quero já saber onde ficam as filmagens, catso!
As cenas na praia despertaram, um pouco mais, meu interesse. Dei uma cotovela, ao de leve, para chamar a atenção da minha senhora:
"Olha ali"
"O quê?"
"Olha aquela miúda a passar por trás dos actores"
"Tá com fio-dental, e daí?"
"E a que está a passar agora?"
"Hum... também. E as outras que estão deitadas também"
"Tá na moda?"
"Acho que não"
"Então fomos invadidos por cariocas..."
Comecei a imaginar a minha filhota a ver aquilo. Pensei em desprogramar a TVI lá em casa, de investigar bons colégios de freiras e falar das vantagens, beleza e pureza do lesbianismo. Pensei também na inutilidade de tudo isto e no chavão do "o que é proibido é mais apetecido". Não facilitam nada a vida de um bom pai (gaba-te, cesto...).
Pensei que tudo iria correr bem e que teria de ter fé no futuro...
Levantei-me e fui ter com a secretária.
"Boa tarde"
"Boa tarde"
"Poderia pedir-lhe o favor de mudar a TV para a RTP2? É que está a começar "a fé dos homens". Obrigado"

3 comentários:

Carina disse...

Ora eu ia comentar o texto e o facto de falares dessa hora crítica em que todas os adolescentes com 15/16 anos aprendem o que NÃO devem fazer, mas como parece giro fazem na mesma, e depois falaste do pedido para mudarem de canal e lembrei-me que sempre que vou ao ginásio e as televisões que lá param estão a dar séries giras da fox life e axn o meu querido progenitor pede que lhe mudem a tv para o preço certo.

Conclusão:após 21 anos de educação, descobri que o meu pai é uma má influência! ;) lol


bju*

Sahaisis disse...

muhahahahahah...a paternidade aguçou-te a veia cómica (obrigada meu deus por no meu hospital haver tvcabo e por as minhas utentes verem o goucha na sala de convívio quando eu estou a milhas de distância)...:)

Catsone disse...

Ana, isso do axn e fox life exige que se pague a TVcabo. Os serviços de saúde não estão com essa disposição. Para mim o ideal era nem existir televisão na sala de espera, mas é só a minha opinião.

Sahaisis, o teu hospital é excepção à regra. ;)