Zunido
Quando ele abriu os olhos não sabia onde estava; e naquela escuridão, apenas interrompida por clarões semelhantes a relâmpagos, ouvia um terrível estardalhaço incompreensível.Estava deitado. Olhava para um céu negro nocturno de onde espiava uma lua minguante e envergonhada.
Tentou levantar-se para tentar compreender onde estava e o que se passava. Viu então muitos vestidos de igual e armados. Uns gritavam palavras de ordem e acenavam, outros apenas gritavam enquanto alguns caíam e não mais levantavam.
Deu-lhe então um click: “estou em combate!”
Tinha treinado para aquilo. Tinham-no tornado insensível, destemido, frio e impiedoso. Tinha sido dos melhores da sua turma; nenhum atirava como ele, nem tinha sua força ou destreza. Era um lutador terrível e todos o temiam.
E ali estava ele: o produto do que lhe ensinaram e do treino que o preparara para a guerra... mas aquilo era tão mais real.
Ao olhar para a frente da batalha pôde ver o corredor de fogo que iluminava a noite uns quilómetros mais à frente. De lá conseguia ouvir os gritos de horror e a colecção de últimos suspiros que ia crescendo à grande velocidade.
A custo, e também graças a empurrões vários do seu superior, foi avançando pelo terreno tornado irregular pela carne humana deixada para trás. Ouvia o zunido do enxame de balas que passavam ora ali e acolá; rezou pela primeira vez em anos…
ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ foi o que ouviu antes de sentir uma força brutal, que o enviou ao chão uns bons metros atrás, seguida de uma dor lancinante que começou no peito e logo passou-lhe à alma.
Sentiu um gosto estranho na boca que o lembrou do tempo de pequenino quando lambia as feridas depois dos jogos de futebol.
Ouviu os pedidos do médico do pelotão enquanto sentia as mãos de um companheiro a segurar a sua e a pedir para se aguentar.
Já pouco se podia fazer e daquele jovem tornado Homem duro, rude, frio e temido, só ouviram mais uma pequena frase; uma pequena frase que dava sentido a tudo naquele momento:
“Eu quero a minha Mãe”
5 comentários:
seremos todos assim perante as circunstâncias de horror?
acho que sim ;)
Olá,
Feliz de quem pode gritar por ela...
Um dia já ouvi esse grito em meio à dor e, só me recordo do gosto de gratidão que tem...
Abraços fraternos
Eu acho que me fingia de morto para evitar muito trabalho :D
Orvalho, espero só chamar pela minha mãe para lhe pedir mimos ;)
No fim chamam todos pela mãe, por muito "duros" que se façam passar.
Matador, nessa hora ela pouco pode fazer, deve ser reflexo :D
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