08 janeiro 2011

Honesty

Para o desafio de Janeiro da Fábrica de Letras: "Preconceito"


Honesty

Ele era honesto. A sinceridade era uma das suas principais virtudes.

John vivia em Sidney e desde criança teve problemas com os outros.

Não suportava a mentira, a falsidade e o vira-casaquismo.

Na escola era o alvo dos colegas. Vivia levando nas trombas porque era incapaz de ficar calado e os mais velhos amaciavam-lhe a carne. Respondia a alguns professores desvendando-lhes a ignorância. Tinha as suas próprias opiniões e as expunha sem pruridos… e levava mais um pouco. Ao chegar à casa mais uma saraivada de miminhos acelerados perante os resultados escolares.

Os feios batiam-lhe quando dizia que eram feios. Os bonitos chegavam-lhe a roupa ao pêlo quando dizia que eram falsos. Os gordos e velhos não chegavam a bater-lhe porquê John era um óptimo corredor.

Nunca teve sucesso com as miúdas. Gostava de dizer que ficavam pirosas com certas pinturas, ridículas com algumas roupas e estúpidas com determinadas companhias. A sua cara era destino certo de algumas mãos mais revoltadas e os lábios nunca encontraram seus semelhantes.

John passou grande parte da sua vida desempregado. Tinha grande dificuldade em adaptar-se a trabalhos escravos, em lamber-botas e ficar em silêncio perante as injustiças/mentiras de patrões e sindicalistas. Era insultado pelo chefe e ostracizado pelos camaradas; os patrões ignoravam-no até o dia de o despedirem.

Nunca foi bem recebido em qualquer comunidade. A muçulmana quase o matou quando John criticou o fundamentalismo. A católica o esconjurou quando ouviu a sua opinião sobre as cruzadas, a inquisição e a oposição à camisinha. Os indianos e paquistaneses ofenderam-se sobre a dissertação relativa à Caxemira. Os portugueses voltaram-lhe as costas quando opinou sobre os bigodes, barrigas fartas e as cusparadas pró chão. Os italianos atentaram contra sua vida quando disse que preferia a massa grossa da pizza. Os australianos, os chineses, os africanos, pura e simplesmente ignoraram-no…

Mesmo ele irritava-se quando se olhava ao espelho e opinava sobre o que via. Muitas vezes sofreu por se criticar a si próprio mas, passados alguns anos, entendeu que isso o fazia crescer como indivíduo.

John nunca votou, nunca cumpriu o patriótico serviço militar, nunca teve religião, nunca foi a um jogo de futebol, nunca gostou da grotesca "arte" tauromáquica, nunca deu importância ao dinheiro: nunca foi normal.

Nunca entenderam a sua forma transparente, pura e verdadeira de estar na vida.


Um belo dia, decidiu fugir de Sidnei. Resolveu abandonar a terra cuja beleza o encantou desde pequenino. Resolveu ir para um lugar onde o sol e o mar se mantivessem seus companheiros.

Veio desembarcar num pequeno aeroporto do sul de Portugal. Instalou-se em Vila Moura e lá criou um pequeno restaurante onde a sinceridade e honestidade seriam a alma (e o slogan) do negócio.


Afinal a honestidade compensa: John ficou rico.


Luís Fernandes Lisboa ®

Nota: história fictícia mas imagem verdadeira (tirada com o meu telemóvel em Vila Moura).

13 comentários:

João Roque disse...

De um imenso sarcasmo, mas irresistível.

Sahaisis disse...

adorei esta frase "Vivia levando nas trombas porque era incapaz de ficar calado e os mais velhos amaciavam-lhe a carne."
Bom trabalho senhor ;)

su disse...

eu iria gostar de conhecer john... mesmo. mas... não deve existir ninguém parecido. vivemos num mundo onde lisonjear com fins interesseiros [aka "dar graxa" ou "lamber botas"] é o que domina...

Catsone disse...

Pinguim, ;) obrigado.

Sahaisis, "levar na tromba" soa sempre bem desde que a tromba não seja a nossa, né?

Caminhante, nem 8 nem 80. Acho que se deve ter cuidado com o que se diz. Às vezes, quem fala o q quer ouve o q não quer. Mas falta um pouco de honestidade e verdade nas relações de hoje em dia.

Bom fim de semana a todos.

Sahaisis disse...

pois claro :D

Briseis disse...

Genial! Não sei se invejo o John por viver acima das mesquinhices quotidianas, se o lamento por viver tão à margem daqueles nadas que preenchem a vida de gente "normal".
Bilhante! Adorei ler!
...e foi um excelente desenvolvimento a partir da foto!
Bravissimo!

Johnny disse...

A honestidade vem do nome, de certeza :)

Catsone disse...

B, bem-vinda a este tasco. Obrigado.

Johnny, e tu pensas que fui buscar inspiração do nome onde?

El Matador disse...

Gostei da atitude deste John; um dia destes vou experimentar o restaurante.

luisa disse...

Com tanta gente a malhar no John, quase me veio a vontade de lhe dar também... Credo! E depois, como é que eu ainda não vi o reclame desse restaurante.... logo eu que ando aqui por perto. :)

Catsone disse...

Matador, depois diz se é mesmo mau.

Luísa, não é muito fácil de encontrar: fica numa viela entre dois hotéis por trás da marina de vila moura.

mz disse...

Pois é... mas veio cá parar!
Aposto que já tem bigode e um perímetro abdominal significativo.
:)

JoeFather disse...

Gostei! :)

Imensamente! :D

Quem disse que a verdade não enche de pratas o bolso fundo do casaco?

Parabéns pela magnífica inspiração!

Parabéns pela reflexiva participação!

Abraços renovados!