08 janeiro 2012

Dia-a-dia

Para o desafio de Janeiro da "Fábrica de Letras" - CRISE


"Dia-a-dia"

A professora do 3º ano terminou a aula com uma tarefa:
“- Meninos, amanhã queria que trouxessem um trabalho sob o tema “O dia-a-dia”, ok? Pode ser uma composição, um desenho, uma montagem, façam o que quiserem e o que mais gostarem, certo?”
E em coro as crianças responderam um sonoro “tá bem!”, arrumar
am as coisas nas mochilas e foram-se apressadas, uma após outra.

Clara ficou preocupada. Pensava em como iria transpor para o papel um tema como “dia-a-dia”. O que quereria a professora que a malta fizesse em t
orno de um tema tão estranho? Poderia ter escolhido, sei lá, “o que fizemos nas férias” ou “brincadeiras”, mas “dia-a-dia”? Será que ela queria que ela trabalhasse em torno de um dia comum ou do que acontece no mundo actualmente?

Chegou a casa casmurra e foi lanchar.
“- Olá para ti também! Vens tão chateada porquê?”, perguntou a mãe.
“- Olá. A professora quer que nós façamos um trabalho para amanhã e não sei por onde começar”, respondeu.
“- E é sobre o quê mesmo?”
“- Sobre o dia-a-dia!”
“- Ai menina, se o trabalho fosse dado a mim seria tão fácil…”, sussurrou a mãe.
“- O quê?”, perguntou a menina.
“- Nada, nada”, respondeu a mãe a disfarçar, “come e vai para o quarto
trabalhar, então”.

Clara chegou ao quarto, deitou as coisas sobre a secretária e… nada. Durante o que restava da tarde pensou no que poderia fazer e népias, nenhuma inspiração, nenhuma lâmpada sobre a cabeça, zero.
“- CLARA, VEM JANTAR!”

A menina sentou-se à mesa desolada. Ficara ao lado do pai como sempre e recebeu, do progenitor, um beijinho na testa.
“- Então, moço, como foi o teu dia”, perguntou a mãe ao senhor
da casa.
“- Ó pá, sempre o mesmo dia-a-dia”, respondeu por entre um sopro de desalento.
Clara despertou: “o meu pai disse “dia-a-dia”?”
“- Um gajo só ouve falar de “crise”! Já estou farto, mulher! Isso está como nos dias de inverno: tudo nublado a ameaçar tempestade. Um gajo anda sempre na corda bamba, num emprego que o patrão quer cortar à força toda.”
“- Tem calma, há sempre uma luz ao fundo do túnel”, acalentou a
esposa.
“- Já não sei, linda, cá para mim o nosso futuro passa por emigrar, ainda só não sei para onde! Se caio desse emprego aterro no inferninho, não é? Vemos o meu salário voar todos os meses, imagina se ficamos sem ele? Agora só se o
uve a troika, tal deus, a mandar em tudo e em todos… humpf”.
“- Anda cá, faço-te um miminhos”.
“- És um anjito…”
Clara saltou da cadeira e correu para o quarto, nem ligou aos chamamentos da mãe para que voltasse para a mesa. Não queria perder a inspiração.

No outro dia quase não tomou o pequeno-almoço. Saiu a correr em direcção ao autocarro com a mochila às costas e uma cartolina azul sob o braç
o.



Clara chegou à casa radiante. Tinha um sorriso tão grande quanto o daqueles “smiles” amarelos. Vinha de peito feito e quando viu a mãe saiu a correr para lhe contar a boa nova.
“- Mãe, mãe!”
“- Elá, miúda…”
“- A professora gostou imenso do meu trabalho, queres ver?”
“- Calma, calma. Claro que quero ver. Mostra-me”
E Clara, então, estendeu a cartolina azul sobre a mesa.
“- Graças a ti e ao pai consegui arranjar a ideia para o trabalho.”




“- Tive nota máxima: ex-ce-len-te!”
, comemorou a menina, "a professora até suspirou!"
"- Pois, pois, como eu a compreendo..."

13 comentários:

João Roque disse...

A crise, como tudo na vida, também tem coisas boas: poucas e efémeras, como é o caso, mas tem...
Fez uma miúda feliz.

Briseis disse...

Ui! isto tá muuuuuito à frente! =) sim senhor! surpreendente e engraçado! Genial, caro Catsone!

Catsone disse...

Pinguim, pelo menos um naquela casa :D

Briseis, grazie :D

El Matador disse...

Ehehe eu também tinha dado um excelente à miúda.

Sara sem Sobrenome disse...

Eh pá, muito bom. E aquele: "então, moço, como foi o teu dia" está do melhor, mesmo.:)

Catsone disse...

Matador, de acordo com os teus textos acredito que davas uma cartolina muito porreira ;)

Sara, não é assim que tratas o teu moço? :D

chica disse...

Que maravilha de conto e excelente a representação no desenho..Legal!!! abração,chica

Paula Suspiros disse...

Às vezes me pergunto mesmo se vamos mesmo conseguir sair desta crise...ou se a solução é uma revolução como os ante passados...vejo isto de mal a pior e sem melhorias tão brevemente. Enfim, a ver vamos o que o futuro nos dirá..obrigada pela visita :)

mz disse...

Acho que ela daria uma excelente design gráfica... uma ideia, uma inspiração, uma imagem SIMPLES e CONCISA!

Ora parabéns à Clarinha e ao Moçinho que tão bem a representou aqui:)))

Raio da crise!

Ditonysius disse...

Isto está "fabulástico".
A criatividade dos míudos: o enfrentar o problema, rondar a coisa, e "splash" a solução.

Um abraço do Canto de Cá.

Catsone disse...

Chica, obrigado.

Paula, sairemos desta crise limpos, magros e prontos para voltar a crescer... vai é demorar muito tempo.

MZ, pois é, vai ser boa designer e depois emigra :D

ditonysius, os miúdos são tão puros e (ainda bem) a tristeza e preocupações desta crise passa-lhes ao lado.

Unknown disse...

Muito show!parabéns...beijinhos sem crises...

Catsone disse...

Soninha, obrigado.