O velho olhou para o céu como quem contempla a Deus, e sentiu os primeiros pingos de chuva quente.
Era o início do verão e na sua direcção uma tempestade daquelas!
Lentamente, porque as pernas assim o exigiam, dirigiu-se para um local abrigado. Escondeu-se por baixo de um toldo onde mais 3 miúdos, que jogavam à bola, também haviam procurado refúgio.
Olhou para os três miúdos e suspirou. Já não se lembrava da infância, se é que a tinha vivido. Pensou nos netos que não tinha, nos filhos que não teve e nas mulheres que nunca amou. Imaginou o tempo perdido em disputas inúteis, brigas fúteis por tudo e, sobretudo, por nada. No fim perdeu muito mais do que ganhou.
Estava só no mundo; ninguém para segurar, um dia, as “asas” do seu caixão.
Agora também chovia por baixo do toldo: uma lágrima preguiçosa percorria o rosto enrugado do velho.
Uma das crianças reparou na cena e acotovelou o vizinho para chamar a atenção; o vizinho fez o mesmo ao do lado, e logo ficaram os três, especados, a olhar o que acontecia mesmo ali ao lado.
Nesse instante, lembraram-se do avô que nunca tiveram, dos irmãos que não tinham e dos pais que nunca estavam.
Estavam sós no mundo; ninguém para limpar, do rosto, a água da chuva de verão.
Por baixo do toldo a chuva aumentou por instantes.
Parou de chover. Por baixo daquele toldo enxugavam-se as gotas que não choveram.
O velho vagarosamente seguiu numa direcção aleatória já que tanto fazia.
Os miúdos fitaram a figura por instantes, encolheram os ombros e um deles chutou a bola a uma altura tal que a sombra fez um mini-eclipse.
A vida, como o show, tem que continuar.
3 comentários:
A vida é realmente como um show. A gente só tem de escolher, se quer viver uma comédia, drama ou romance.
Eu não tive escolha, o fado encarregou-se de fazer da minha vida uma piada completa. Tive uma sorte do caralho. Imagina se me saia um romance... Foda-se, do que me livrei...
A vida é longa, vê lá, ainda pode mudar...
Gostei muito... :)
Enviar um comentário