29 agosto 2012

O brasileiro de merda

Uma das minhas primeiras lembranças, talvez até mesmo a primeira, é de Março de 1978. Aos 3 anos de idade recordo-me de estar à janela de um McDonnell Douglas DC-10 a aterrar no aeroporto de Congonhas, mesmo no centro de São Paulo. 
Em Terra de Santa Cruz passei toda a minha infância e de lá regressei, muito a contragosto, aos 18 anos. 
Do Brasil trouxe as lembranças, a paixão pelo São Paulo F.C. ... e o sotaque.

Lembro-me que de 4 em 4 anos vínhamos a Portugal. Lembro-me da ansiedade da visita a terras lusas; ansiedade para rever a família, de comer uma sardinha a cavalo numa boa broa de milho e de participar nas festas da terra dos meus pais. Naquele tempo, ter sotaque brasileiro era um "must". Vinham ter connosco a falar balelas apenas para que respondêssemos com o doce sotaque da "Gabriela". 
Ao longo dos tempos a magia do sotaque foi desaparecendo, culpa das novelas, culpa dos brasileiros que invadiram os restaurantes e consultórios dentários, culpa das brasileiras que ganharam a fama de destruidoras de lares (o que a minha irmã sofreu por causa do sotaque!).

E o sotaque é difícil de perder. Passados quase 20 anos do regresso, de anos em Coimbra, de lavagens compulsivas da língua, o sotaque permanece quase intacto. Não adianta enrolar a língua, ela volta para o abrasileirado. 
Nunca tinha sentido qualquer problema por ter o estranho acento... até há poucos dias.

Noutro dia, numa jornada contínua de 16 horas de trabalho, após negar uma vontade a um utente cheio de direitos e de parcos deveres, fui presenteado com um sempre caloroso "brasileiro de merda"; frase dita mesmo ao lado da sua filha de 7 anos.
 
Fiquei a pensar naquela frase: "brasileiro de merda". Baseando-se no meu sotaque alguém quis diminuir-me ao insultar-me. Gente pobre de espírito e pequena em educação.Talvez um misto de frustração pela nega à veleidade sem sentido que tinha mais a decepção de ser eu a usar a bata branca e, por conseguinte, ter o poder da decisão.

Depois da raiva e do leve desejo homicida, a verdade é que achei piada e dei-lhe o que merecia: o meu silêncio e desprezo. Dei-lhe as minhas costas para que soubesse que o "brasileiro de merda" é que mandava e ele, coitado...

Mas confesso que tive vontade de lhe responder:  "brasileiro de merda não sou não, meu senhor, mas sim: um verdadeiro português do caralho!"




13 comentários:

El Matador disse...

não sei se me tinha aguentado tão bem como tu, aliás, tenho a certeza que não.

Pulha Garcia disse...

Há sempre idiotas em todo o lado, Catsone. Aos meus olhos és um herói, trabalhas para ajudar os outros.

(também tenho um certo carinho pelo São Paulo Fc (o tricolô de Morumbi); o problema é o teu "outro" clube, pá)

Sahaisis disse...

Já me aconteceu, antes de surgir e quando o meu nome aparece questionarem "preta ou brasileira?" e eu vou oscilando entre aquilo que preferiria mediante o dia da semana.
Não é questão de nome, proveniência ou tom de pele. O humano que somos é questão de personalidade e carácter, muito para além dessas pequenas coisas. Gente dessa não merece sequer o "second look"

Jam disse...

Pobre inculto, espero que ele não veja este "post" pois ele verá que o português dele é nunca será tão bem falado que o dele, que talvez a sua cultura em histórias lusas nunca será tão grande como a de um "brasileiro de merda", que é um ótimo exemplo de Xenofobismo que a sua filha poderá escrever numa redação da escola. mas como também conheci casos deste (mesmo até no seio da igreja) não me admira. espero que ele consiga os objetivos dele assim.. insultando os outros com a sua ignorância... espero que ele o faça a um brasileiro de 2 metros, segurança e ex-rota que esteja de mal humor... eheheh. E que o faça lembrar por muitos e muitos anos que o peixe morre pela língua...

Catsone disse...

Killer, tive que me conter, realmente, corria o risco de descer ao nível do moçoilo.

Obrigado pelo comentário, Sr. Sacana. O tricolor é muito grande, foi a primeira paixão, aquela da qual ninguém esquece. Mas casei-me com o meu segundo amor, azul e branco. :D

Sahaisis, foi por isso que o máximo que lhe dei foi a visão das minhas costas e o entendimento de que quem mandava naquela merda era euzinho, lol, é melhor que um xuto nos tomatos :D

Ó mono carril, muito bem "dizido". Devia falar assim pró Maguila e levava logo no focinho qué pro causa dos beregueti! Desbaratinava na hora, o viadinho! :D

Cirrus disse...

Digamos, pois, que somos um povo de merda.

Catsone disse...

Cirrus, não generalizo, (até pq faço parte desse povo), mas que há ai malta que não faz falta, lá isso é verdade.

Briseis disse...

Engraçado saber do teu sotaque, depois de te ter lido todo este tempo sem ele... A partir de agora vou tentar dar aos teus textos a entoação certa... =) quanto ao fulano, descer ao nível dele, jámé! Mas não se livrava de um olhar fulminante, não...daqueles que disparam!

Cirrus disse...

Cat, generalizo eu. Somos um povo de merda.

Nane disse...

Bem... infelizmente ainda me deparo muitas vezes com isso, e ao invés de ouvir de merda, já ouvi muitas vezes "puta"... já me revoltei muito, mas hoje faço como tu, saio superior, porque quem tem esse tipo de atitude é tão pobre de espírito, tão infeliz, e a única forma de "sair superior" é essa, mas no fundo, é apenas um frustrado!! E o que interessa é que nos merdas e putas, temos uma riqueza interior, valores e modo de ver a vida e tudo que nos rodeia, que pessoas como essas estão a anos luz de conseguir chegar lá!! Bora ser merda, bora ser puta, assim é que nós somos felizes!! E pra próxima, vira-te com aquela cara que tu fazes e diz "pois sou"!! :)

Catsone disse...

Bríseis, lembra-te que este blog não assinou qq acordo ortográfico. Aqui não há sotaques. :D

Nane, easy girl, assim vão perceber que apareces algures no texto, lol

Demian disse...

É por essas e por outras que eu não dava para trabalhar na área da saúde... Se lidar com pessoas "normais" é difícil, lidar com aquelas que estão confinadas a uma cama de hospital, e portanto, fragilizadas, é ainda pior...

Gente que já é estúpida por natureza, geralmente fica ainda mais estúpida, e eu faço uma pequena ideia das coisas que vocês devem ter que aturar, nos hospitais.

Calculo que já tenhas aprendido a ignorar ignorantes, face a redundância, mas se fosse comigo, aquilo que pensaste em responder teria com certeza saído da minha boca, não aguentaria! ;)

Catsone disse...

Belial, apesar de ter trabalhado em Hospitais, actualmente trabalho num Centro de Saúde.
Existe um ditado lá pelas terras do meu pai que reza +/- assim: "não mexeis muito no monte de merda para não lhe libertar ainda mais o odor"... sábias palavras.