13 abril 2011

Aike

Para o desafio "Ternura" da "Fábrica de Letras":



Aike


Era uma tarde copiosamente infernal de Agosto e sentia o vento quente a queimar-lhe a cara enquanto caminhava à beira mar. Acompanhavam-no, no passeio “molha-pés”, inúmeros idosos, aparentemente imunes ao melanoma, torrados, suados, enrugados mas sorridentes.
Tentava abstrair-se do cenário escondendo-se por trás de uns óculos espelhados e um boné dos Bulls. Distraía-se ao som da “Alive” que ouvia no Walkman® escondido num dos bolsos dos calções.
Era tímido mas gostava destes andares à margem marítima para “micar” as garinas. Andava à caça mas tinha pouco da arte da rapina.

Sentou-se. Começava a sentir os efeitos da resistência daquele solo e do brasido solar.
Concertou o rabo na areia enquanto virava a k7 para o lado B: “Jeremy”…

Viu-a sentada um pouco mais à frente. Ela era uma rapariga de tez alva, silhueta esbelta adornada por longos cabelos pretos e lisos.
Engoliu em seco: era uma oportunidade. Porque não arriscar? O que tinha a perder?
Levantou-se a custo e deixou-se ir, lutando com a irregularidade do chão e das pernas.

“Olá. Tudo bem?”
Ela ficou espantada a olhar para ele. Seus pequenos olhos negros pareciam dois enormes pontos de interrogação, uma cena parecida com os desenhos animados feitos no seu país.
“No entendo” respondeu em meio a risinhos escondidos por trás da mão.
“Speak english?” falou ele no seu inglês macarrónico.
“Yea”
Ele sorriu. Parece que o risco valera a pena.

Falaram durante muito tempo. Falavam sobre as diferenças culturais, sobre a gastronomia, sobre anime (que ele adorava), sobre música, sobre futebol…

Ele estava impressionado com a figura da moça: exótica, simpática e simples. Ela estava encantada com a maneira de estar dele e com seu sorriso.
Olhavam-se como se olha a ídolos.

“Say something in japanese” pediu o rapaz.
“あなたが面白いです” disse ela.
“What it means?”
“Say something in portuguese first” exigiu ela.
“Ok. Ai que ternura” disse ele.
“OMG. Are you a psychic or something?!” ficou incrédula.
“What? Why?”
“How do you know my name?”
“I don’t know your name.”
“You already said”
“No, I didn't. I don't know your name. You didn’t tell me. But now i'm curious, what is your name?”

Fez suspense: “My name is Aike. Aike Tenura”.

Aquele verão de 1994 foi o melhor de sempre.


15 comentários:

Sahaisis disse...

muito fofo..oh :p

chica disse...

Viajei junto nesse conto e passeio.Lindo! abraços,chica e um dia tri legal!

Cirrus disse...

Como diria um camarada nosso, és um bom sacana, és...

El Matador disse...

Grande texto brother Catso. Tem praia, sol, moças exóticas e Pearl Jam, tudo à mistura como deve de ser.

Briseis disse...

Irresistível! =)
Que belo contador de histórias...

João Roque disse...

Muito belo e sobretudo, original!

Catsone disse...

Sahaisis, "fofo" não, SFF! lol

Chica, espero que tenha sido uma boa viagem. ;)

Cirrus, são os anos acumulados, amigo. Em 94 não dava uma prá caixa; em 2011 sou casado...

Killer, amigo, bastava ter Pearl Jam ;)

Briseis, obrigado.

Pinguim, obrigado, amigo.

Pronúncia disse...

Uma ternura de texto... :)

Balhau disse...

Aike Ternura? O senhor tem de deixar de tomar aspirinas de manhã..

Catsone disse...

Pronúncia, obbrigado.

Balhau, Tenura e não Ternura. Ternura era a vizinha da Aike que não veio do Japão porque não gosta de areia nas partes...

Johnny disse...

E era atravessada?

Demian disse...

É preciso um grande coração, para se resistir ao inferno em que este país está a transformar-se, e não obstante, continuar a escrever coisas destas... :)

(Sim, ando desaparecido do mapa...)

Um abraço

Eduardina disse...

Diverti-me imenso com a leitura do seu texto!
Dizem que os amores de praia ficam enterrados na areia! Talvez!Mas as suas lembranças ficam guardadas para sempre num cantinho do coração!

soninha disse...

Viajei...boiei...e aterrissei...rs.Muito bom!abçs

Anónimo disse...

Jonnhy, olha que isto é ficcionado, pá! Pelo que tenho ouvido, xereca é igual em todo mundo.

Grave, um gajo tem que se distrair com qq coisa e sonhar com "mundos melhores", certo?

Eduardina, não conheci esse tipo de amores de praia, mas penso que todos ficam enterrados num buraquinho qq do coração, sim.

Soninha, faltou o : "varejei" :D
Bj