Bonifácio carregava o exame para mostrar ao médico. Batia violentamente com os pés no chão num demonstrar inequívoco de ansiedade crescente. Finalmente ouviu o seu nome a ser chamado e dirigiu-se ao consutório.
Após os cumprimentos de ocasião, o médico pediu-lhe o exame. O clínico abriu o envelope e analisou o conteúdo. Em meio a "hum"'s proferidos pelo doutor, Bonifácio aumentava a adrenalina em circulação.
Por fim, após um longo e desolador suspiro do médico, a tão estremecedora notícia:
"Senhor Bonifácio, o meu amigo tem um cancro e o que temos de fazer agora é pensar na melhor maneira de tratar e..."
Toda a explicação, Bonifácio ouviu sem ouvir. Só estava realmente interessado numa coisa: o prognóstico.
"Bem, senhor Bonifácio, o prognóstico para estes casos é reservado. Vai depender da resposta ao tratamento convencional: quimio, radio e, quem sabe, cirurgia."
Bonifácio saiu do consultório um pouco atordoado. Não tinha dores físicas mas sentia o seu espírito agredido no estômago, caído ao chão, continuando a ser pisoteado pela cruel verdade.
Foi directamente para casa tentando arranjar um texto tipo para passar tão devastadora informação à família; já bastava o seu próprio sofrimento.
Passaram-se alguns meses e Bonifácio respondia mal aos tratamentos. Sua última tentativa seria uma nova droga que parecia ter evidenciado benefícios para a sua doença. A esperança residia na possibilidade de ser administrada o mais rapidamente possível mas restrições orçamentais obrigavam a aprovação do pedido pelo Ministério da Saúde.
"Bonifácio, tenho más notícias para si. O hospital não vai poder providenciar a medicação. O senhor ministro rejeitou o pedido alegando não haver evidência científica suficiente para a sua utilização".
"Mas, senhor doutor, o ministro é médico?"
"Não"
"Então não percebo"
"Eu também não, senhor Bonifácio"
"Então, e agora, senhor doutor? Sei que nunca fez um prognóstico temporal mas, quanto tempo me resta?"
"Bem, sem rodeios, Bonifácio, sem esta droga... talvez 2 meses, mais coisa, menos coisa"
Bonifácio abandonou o hospital. Vagueou por algum tempo pela baixa de Lisboa e decidiu-se por caminhar um pouco mais até a avenida João Crisóstomo, nº9. Chegando lá, aguardou.
Pouco tempo depois, Bonifácio viu aproximar-se um belo carro negro. Levantou-se e esperou que o veículo se imobilizasse.
Do carro negro, Bonifácio viu sair um senhor de facto impecavelmente engomado que concluiu ser o ministro da saúde. Abordou o senhor e perguntou-lhe em jeito de confirmação:
"Bom dia. É o senhor o excelentíssimo ministro da saúde"
"Sou sim, meu caro"
Bonifácio, ao aperceber-se da resposta positiva, retirou do bolso uma pequena Beretta calibre 22 e aplicou 5 injecções de chumbo no tórax ministerial, impelindo o alvo numa queda lenta à retaguarda, apenas amparada por metade dos seus guarda-costas, visto a outra metade estar a manietar o agressor.
O incidente chocou a pequena e anárquica república. Bonifácio foi imediatamente preso e apresentado ao juiz. Deveria ser julgado de forma célere para servir de exemplo e assim evitar alastramentos de revolta.
O julgamento de Bonifácio foi alvo da maior cobertura jornalística alguma vez vista no país. Milhares de jornalistas nacionais e estrangeiros aguardavam à porta do tribunal. Aguardavam a sentença e especulavam sobre o período de cárcere destinado ao criminoso. Alguns analistas teciam comentários sobre a terrível ironia da possível maior sentença da justiça portuguesa poder traduzir-se num período exíguo de prisão efectiva, dado que o réu estava em fase terminal.
Finalmente o veredito.
Bonifácio saiu pela porta da frente do tribunal, abraçado ao advogado e à esposa, perante o olhar atónito daqueles que ali puderam estar presentes. O inocente homem entrou numa viatura e abandonou o local, ficando o seu advogado a dar explicações:
"O senhor Bonifácio sempre se declarou inocente e o juiz percebeu isso claramente após o depoimento do meu cliente"
"Mas como foi isso possível? Havia uma série de testemunhas de acusação; elas viram o seu cliente assassinar a sangue frio o ministro da saúde", perguntou incrédulo um dos jornalistas.
"Sim, claro, elas depuseram, mas de nada valeu ao Ministério Público. A nossa alegação foi muito mais forte", respondeu triunfante o advogado.
"Mas, para além da inocência, o que mais o seu cliente alegou?", questionava furioso um novo jornalista.
"Meu cliente, perante a recusa, por parte do senhor ministro da saúde, da medicação que lhe salvaria a vida, alegou obviamente legítima defesa!"
6 comentários:
boa! quantos bonifácios haverá por aí?
Cara Ana, bem-vinda ao tasco. Existem já alguns Bonifácios, só não foram ainda capazes de apertar o gatilho.
Ah ganda Bonifácio!!!!
Bela história,Catso.
Excelente e mtos parabéns (x2).
Excelente...
João, vamos lá ver se acende o rastilho :D
Rain, tks
Olha o Balhau, ainda és vivo?! Grande abraço!
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