Chovia torrencialmente naquela noite de verão.
As cinco Marias vinham de retorno à casa depois da semana de estudos na capital.
Maria Esperança era a que conduzia o carro. Mantinha-se atenta aos perigos daquela estrada molhada. Após uma semana intensa na faculdade estava ansiosa por rever a família mas não era isso que a obrigaria a acelerar.
Ao seu lado, Maria Felicidade ria-se com as piadolas das companheiras do banco de trás, Maria Piedade, Maria da Saudade e Maria Preciosa, sempre a provocar o riso das companheiras da frente com os acontecimentos e desventuras semanais: as graçolas dos rapazes, as saídas nocturnas, os namoricos, a juventude...
A amizade entre as meninas era algo mágico. Só se haviam encontrado na universidade mas parecia que se conheciam há séculos. Sentiam-se ligadas de alguma forma e havia, é certo, grande afinidade entre elas: tinham praticamente a mesma idade, partilhavam os mesmos gostos, tinham sonhos de futuro comuns e, aquilo que sempre acharam muita piada, comiungavam do mesmo nome: Maria.
Pela coincidência nominal, tratavam-se simplesmente pelo segundo nome.
Esperança, apesar da conversa animada, sorria pouco; conhecia bem o caminho que percorria mas, com tanta chuva, tinha dificuldades em identificar onde estava.
“Esperança, estás perdida?”, brincava Preciosa, a mais galhofeira das três.
“Não, só está difícil conduzir com tanta chuva”, respondeu a condutora.
“Podes parar um pouco, se quiseres. Eu não tenho grande pressa”, tranquilizou Piedade.
“Ó pá, tem piedade”, gracejou Preciosa, “eu quero chegar logo para ver o meu Diamantino.
“Preciosa e Diamantino: o casal mais valioso”, agora era Felicidade a mandar uma graçola da qual riram-se todas.
Esperança também rira, mas rira um riso encavacado, pouco dedicado em responder à piada. Estava preocupada; apesar de ter alguma experiência ao volante não se lembrava de ter conduzido sob condições tão adversas.
“Estás muito quieta, Saudade. Sentes falta de alguma coisa… ou de alguém?”, mandou Preciosa enquanto piscava o olho à Felicidade que se mantinha voltada para trás.
“Lá está tu, Preciosa. Não consegues passar sem mandar piadolas. Sim, por mim ficava por Lisboa na companhia do Augusto”, replicou Saudade, incomodada pela brincadeira da amiga.
“E tu, Felicidade, estás a rir mas também preferias ficar por lá a namoriscar com o teu Felix. Formam o casal mais alegre da faculdade”, continua a Preciosa, a "disparar" em todas as direcções.
Felicidade deu uma gargalhada muito característica dela e que combinava bem com o seu nome; ao mesmo tempo suspirou um “e vamos ter um Benjamim”.
A viagem manteve-se animada por um bom tempo...
Então, numa curva perigosa da estrada, sob a chuva intensa que se fazia sentir e se acumulava na estrada, Esperança perdeu o controlo do carro. O veículo ziguezagueou pela via indo beijar com fulgor uma velha nogueira que morava à beira da estrada, parando instantânea e violentamente.
Em pouco tempo o silêncio apoderou-se da cena; o som do motor calou-se e os risos cessaram; apenas se ouviam as gotas da chuva sobre a chapa e o rádio do carro que insistia em funcionar e onde se ouvia uma música que as meninas sabiam de cor: “Last Kiss”.
Todas pereceram.
Após o embate, no automóvel, só Saudade ficou. Piedade foi atirada para longe. Preciosa perdeu a vida alguns metros à frente junto a um banco de jardim. Felicidade desapareceu pouco depois do embate. De todas, e fazendo jus ao seu nome, Esperança foi mesmo a última a morrer.
2 comentários:
Fiquei perfeitamente maravilhado com este teu conto.
Sigo um blog que de tempos a tempos, promove uns concursos de contos deveras interessantes e abertos a todos os que tenham blogs.
Quando houver uma iniciativa destas avisar-te-ei, pois adivinho seres um eventual concorrente de peso. Só a título de curiosidade podes tomar contacto com uma das iniciativas que agora decorrem e que se chama " The Book of Distance".
http://good-friends-are-hard-to-find.blogspot.pt/2013/06/o-book-of-distance-continua-sua-grande.html
João, muito obrigado pelo elogio e pelo link; vou lá espreitar ;)
Abraço.
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