Nestes dias de descalabro económico-social,
vem a minha pequena falar de justiça.
Gostava ela de ficar um
pouco mais de tempo a brincar na rua, com a sua mota cor-de-rosa adereçada com
autocolantes daquela gata japonesa estranha, mas recebeu a revoltosa ordem para
voltar para casa. Ela chorou, esperneou, fez a sua birra infantil, na expectativa
de aquecer os “frios” corações dos pais, e, com os olhos rasos d’água, proferiu
uma triste reclamação: “não é justo!”.
Engraçada a justiça vista
pela óptica de uma miúda de 3 anos. Engraçada a sua forma de reclamar. Estranha
a semelhança com a vida nossa de adultos. Engraçado o mesmo resultado: a
vontade insatisfeita.
Afinal, que justiça a destes
pais? Negar mais uns minutos de prazer em brincadeiras de criança, ou negar
mais uns minutos de televisão antes da cama, ou negar mais uma bolacha antes do
almoço, ou tantas outras coisas que ela gostaria de fazer e que vão contra a
vontadinha do pai ou da mãe.
Onde foi ela arranjar essa
noção de justiça? Como terá entendido que quando se é negado algo, que se acha
ter direito, é uma situação injusta? Onde terá ela tido contacto com essa
expressão?
Se calhar a moça terá ouvido
as reclamações dos seus mais próximos. Terá escutado as comiserações paternas em
frente à televisão aquando de notícias da actualidade nebulosa na qual vivemos.
Terá, quem sabe, visto as lágrimas que por vezes caem do rosto do seu velho e
feito, ela mesma, a sua interpretação do cenário, criando a sua própria cena de reacção às contrariedades: “aquando
de uma nega: esbracejar, chorar, espernear e soltar um “não é justo”, tal como
o pai faz de vez em quando em frente à TV, rádio, computador ou ao ler um
matutino”.
Tenho um misto de orgulho e
pena pela sua resistência. Orgulho porque estou a criar alguém que não se coíbe
em mostrar a sua insatisfação perante aquilo de que não concorda. Pena porque,
por mais que reclame, por mais que grite ou esperneie, os ouvidos do poder são surdos
perante as reclamações dos seus patrícios e as suas revoltas tenderão a cair em
saco rôto.
O pai também reclama; também
ele se chateia, range os dentes… mas nada; ninguém o ouve, ninguém tem peninha
dele e os “maus” continuam a lhe tirar o que pensava ter direito.
Afinal, que justiça a deste
país? Empobrecer a malta, endividá-la, enviá-la (como mercadoria) para
exportação, enevoar o seu futuro e o da república, retirar direitos primários, levar
“o melhor povo do mundo” para muito próximo de um ataque de nervos colectivo…
Esperem lá… querem ver que eu, ao ignorar a reclamação da moça, impondo as minhas regras e ordens, represento uma espécie de governo absolutista doméstico?
Credo!!! Não, claro que não. A minha actuação
representa as pequenas vicissitudes da educação enquanto que os “outros”,
aqueles que não me ouvem, esses parecem nunca terem sido sequer educados…
Contudo, perante à cópia da
pequenita, concluo ter de ter mais
cuidado com o calão que, por vezes, acompanham as minhas birras de adulto sob
pena de, algum dia, passar por uma vergonha: as crianças costumam ser muito espontâneas…
8 comentários:
estamos todos de cinzento, mas pelo menos alguns de nós ainda caminham de hello kitty ;)
MUITO BOM!!! Parabéns a essa pequena grande menina, que um dia, quiçá, ainda lidera uma revolução a sério ;)
Pois é, meu caro representante de uma espécie de governo absolutista doméstico, tem cuidado, é que um "é injusto, f0d@-se" antes da idade adulta não tem piadinha nenhuma!!! :D
Este teu texto ainda vai ser aproveitado pelo governo para ilustrar o que eles "são obrigados a fazer-nos"... Algo do género de: como o pai, que educa a sua criança, também nós, temos que vos dizer "não. Não chega. Paga mais. Já."lol
Um dos posts mais interessantes que li nos últimos tempos, aqui na blogosfera.
Sahaisis, olha a propaganda! Não vejo piada nenhuma a essa personagem...
nAnónima, isso é que era, tipo a Sarah Connor!!!
Belial, o pior é que a malta acha piada quando os miúdos dizem umas asneiras! Coisa irritante, man.
Briseis, não quero ser fonte de inspiração para essa cambada!
João, vindo de ti é uma grande elogia, amigo. Abraço.
hummmm.... pois... não tinha pensado exactamente nessa menina para exemplos... mas... por que não?...
(ai, homens...)
Fossemos nós tão espontâneos como as crianças.
Às vezes tal espontâneidade pode deixar-mos em apuros nalguns momentos, mas não deixa de ser maravilhosa.
Acima de tudo é ela que ainda nos dá ânimo.
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