10 outubro 2012

Pai SofreXXVII: a justiça aos olhos de uma criança de 3 anos




Nestes dias de descalabro económico-social, vem a minha pequena falar de justiça.
Gostava ela de ficar um pouco mais de tempo a brincar na rua, com a sua mota cor-de-rosa adereçada com autocolantes daquela gata japonesa estranha, mas recebeu a revoltosa ordem para voltar para casa. Ela chorou, esperneou, fez a sua birra infantil, na expectativa de aquecer os “frios” corações dos pais, e, com os olhos rasos d’água, proferiu uma triste reclamação: “não é justo!”.

Engraçada a justiça vista pela óptica de uma miúda de 3 anos. Engraçada a sua forma de reclamar. Estranha a semelhança com a vida nossa de adultos. Engraçado o mesmo resultado: a vontade insatisfeita.
Afinal, que justiça a destes pais? Negar mais uns minutos de prazer em brincadeiras de criança, ou negar mais uns minutos de televisão antes da cama, ou negar mais uma bolacha antes do almoço, ou tantas outras coisas que ela gostaria de fazer e que vão contra a vontadinha do pai ou da mãe.

Onde foi ela arranjar essa noção de justiça? Como terá entendido que quando se é negado algo, que se acha ter direito, é uma situação injusta? Onde terá ela tido contacto com essa expressão?
Se calhar a moça terá ouvido as reclamações dos seus mais próximos. Terá escutado as comiserações paternas em frente à televisão aquando de notícias da actualidade nebulosa na qual vivemos. Terá, quem sabe, visto as lágrimas que por vezes caem do rosto do seu velho e feito, ela mesma, a sua interpretação do cenário, criando a sua  própria cena de reacção às contrariedades: “aquando de uma nega: esbracejar, chorar, espernear e soltar um “não é justo”, tal como o pai faz de vez em quando em frente à TV, rádio, computador ou ao ler um matutino”.

Tenho um misto de orgulho e pena pela sua resistência. Orgulho porque estou a criar alguém que não se coíbe em mostrar a sua insatisfação perante aquilo de que não concorda. Pena porque, por mais que reclame, por mais que grite ou esperneie, os ouvidos do poder são surdos perante as reclamações dos seus patrícios e as suas revoltas tenderão a cair em saco rôto.

O pai também reclama; também ele se chateia, range os dentes… mas nada; ninguém o ouve, ninguém tem peninha dele e os “maus” continuam a lhe tirar o que pensava ter direito.
Afinal, que justiça a deste país? Empobrecer a malta, endividá-la, enviá-la (como mercadoria) para exportação, enevoar o seu futuro e o da república, retirar direitos primários, levar “o melhor povo do mundo” para muito próximo de um ataque de nervos colectivo…

Esperem lá… querem ver que eu, ao ignorar a reclamação da moça, impondo as minhas regras e ordens, represento uma espécie de governo absolutista doméstico?
Credo!!!  Não, claro que não. A minha actuação representa as pequenas vicissitudes da educação enquanto que os “outros”, aqueles que não me ouvem, esses parecem nunca terem sido sequer educados…

Contudo, perante à cópia da pequenita,  concluo ter de ter mais cuidado com o calão que, por vezes, acompanham as minhas birras de adulto sob pena de, algum dia, passar por uma vergonha: as crianças costumam ser muito espontâneas…

8 comentários:

Sahaisis disse...

estamos todos de cinzento, mas pelo menos alguns de nós ainda caminham de hello kitty ;)

Anónimo disse...

MUITO BOM!!! Parabéns a essa pequena grande menina, que um dia, quiçá, ainda lidera uma revolução a sério ;)

Demian disse...

Pois é, meu caro representante de uma espécie de governo absolutista doméstico, tem cuidado, é que um "é injusto, f0d@-se" antes da idade adulta não tem piadinha nenhuma!!! :D

Briseis disse...

Este teu texto ainda vai ser aproveitado pelo governo para ilustrar o que eles "são obrigados a fazer-nos"... Algo do género de: como o pai, que educa a sua criança, também nós, temos que vos dizer "não. Não chega. Paga mais. Já."lol

João Roque disse...

Um dos posts mais interessantes que li nos últimos tempos, aqui na blogosfera.

Catsone disse...

Sahaisis, olha a propaganda! Não vejo piada nenhuma a essa personagem...

nAnónima, isso é que era, tipo a Sarah Connor!!!

Belial, o pior é que a malta acha piada quando os miúdos dizem umas asneiras! Coisa irritante, man.

Briseis, não quero ser fonte de inspiração para essa cambada!

João, vindo de ti é uma grande elogia, amigo. Abraço.

Anónimo disse...

hummmm.... pois... não tinha pensado exactamente nessa menina para exemplos... mas... por que não?...

(ai, homens...)

Utópico disse...

Fossemos nós tão espontâneos como as crianças.

Às vezes tal espontâneidade pode deixar-mos em apuros nalguns momentos, mas não deixa de ser maravilhosa.

Acima de tudo é ela que ainda nos dá ânimo.