04 dezembro 2012

Pai Sofre XXIX - Criança num palheiro

Hoje fui incumbido pela minha patroa de levantar a mais velha ao infantário, jardim de infância, escolinha ou lá que seja. Obviamente que disse que sim, primeiro porque é algo que me dá prazer em fazer, segundo porque poderia haver represálias caso me recusasse...

Gosto de ir buscar a moça à escola. Nem me importo com as filas de trânsito ou a falta de lugar para estacionar, coisinhas que, no meu dia-a-dia normal, tiram-me realmente do sério.
Gosto porque quero vê-la a inteirar-se do mundo, aquele longe de casa e do abrigo dos pais, o mundo de verdade, embora em miniatura e despreocupado... mas por vezes cruel.
"Cruel?", perguntarão vocês. Sim, cruel. As crianças são criaturas maquiavélicas. Não têm culpa mas está-lhe nos genes. É coisa primitiva e animalesca. Tudo normal, portanto.
Nesta altura da vida, esses projectos de gente começam a encontrar o seu papel na matilha e conhece-se quem, no futuro, terá mais propensão para ser "alfa".

Das vezes em que fui buscar a moçoila postei-me a observá-la ao longe, a "estudar" o seu comportamento. Tal como eu, parece-me que a rapariga não é muito de "meter conversa". Fica na sua a observar. Deu-me a impressão de, ela própria, estar a estudar o ambiente e ver, do seu jeito, quem poderá vir a interessar ter como amigo/companhia. Esperta a fulana, também ela a mostrar eu lado maquiavélico.
Nesses perídos de observação, já a vi ser ostracizada pelas mais velhas numa clara tentativa de intimidação. Ela não fez frente mas, pareceu-me, lançar um olhar tipo "ok, venceste esta batalha mas... prepara-te". Até a mim meteu medo.

No entanto, como dizia no princípio, hoje fui buscá-la mais uma vez. Como ía com alguma pressa, culpa de um dia cheio no trabalho, fui imediatamente à sua procura.
Chegando ao estabelecimento, deparei-me com um cenário caótico. Invadiu-me uma sensação tipo Gulliver, rodeado de dezenas de seres pequenos em algazarra total, que corriam em anarquia completa pelo pátio coberto do estabelecimento.
Eu disse "dezenas"? Bem, se calhar, pequei por defeito, deviam ser mais.

Pus-me à procura do meu exemplar no meio de tanta pimpolhagem. Só aí, depois de tantas vezes lá ter ido, é que percebi que não é fácil encontrar uma crinaça no meio de tantas outras semelhantes. É mais difícil que encontrar o tal do Wally! Não há pontos de referência: são (quase) todos do mesmo tamanho e configuração! Haja capacidade de observação!
Resolvi pedir ajuda a uma contínua:
"OLÁ, BOA TARDE!" - já num tom de voz considerável.
"BOA TARDE!" - respondeu-me a senhora enquanto se debatia para não ser arrastada por 3 ou 4 imitações de gnomos.
"POR ACASO VIU A MINHA MOÇA? JÁ ESTIVE AI A VER SE A ENCONTRAVA MAS NÃO TENHO OS OLHOS TREINADOS!"
"ESPERE LÁ UM BOCADINHO" - e deixou-se ir com a manada.

Passados alguns segundos, em meio à gritaria insana, ouço:
"PAAAAIIIIIII" - enquanto estala um beijo e espreme-me num gostoso abraço.
"Onde estavas?" - perguntei eu.
"Ali, naquele banco" - repondeu-me com uma expressão de "és mesmo totó e cegueta".

Ela não tem razão em achar-me cegueta... agora, "totó"... coisas de pai enamorado.

6 comentários:

Pseudo disse...

E os abracinhos e beijinhos que eles dão, todos os dias, como se já não nos vissem há décadas? Tão calientes, tão genuínos, tão bons :)

Malena disse...

Filha com pai é algo de muito especial... Eu que o diga!!! :)

João Roque disse...

Como te invejo...
Acreditas?

Demian disse...

Há já muito tempo que tenho para mim que "as crianças são criaturas maquiavélicas", fico feliz por finalmente alguém com experiência na matéria ter corroborado essa minha tese, começava a pensar se não seria embirração minha, ou assim... :D

Catsone disse...

Pseudo, podes crer...

Malena, foi por isso que sempre quis ter uma filhota (egoísmo, fazer o quê).

João, acredito, sim senhor. Abraço.

Demian, as crianças são malvadas sem querer, é puro Darwinismo, amigo!

Briseis disse...

Ai, os episódios doces do dia-a-dia fazem valer as horas amargas todas e todos os stresses com estacionamento e por aí fora... =)