Minha 2ª participação para o desafio "Estava vazio..." da Fábrica de Letras... porque apeteceu-me.
Luzes coloridas e ruídos bizarros.
Minha mente estava oca.
Vertigens, tremores, enurese, risos incontroláveis e histéricos… eu era um estranho fora de controlo.
Parece que tentei preencher a falta estranha que fazias e tapar a incrível cratera criada pelo meteoro tu. Refugiei-me em copos de diversos tamanhos, formatos e cores, preenchidos por tudo que contivesse álcool na composição.
Bendito etanol que o meu corpo tentava desesperadamente metabolizar. Quase podia sentir as suas moléculas a dançar no mar vermelho de veias e artérias.
Mais o hálito incendiário e o vómito compulsivo de um estômago revolucionário e marxista a protestar veementemente contra a atitude incompreensível da maioria neuronal que cedera aos interesses sentimentalistas instalados: “porra de paixão vs razão…”
Agora era a gravidade terráquea, travestida de jupiteriana, que empurrava o monte de carne e ossos, embebidos em vindalho, para um chão húmido e fétido. Cambaleava, como se fosse feito de gelatina, pela pista de dança e chocava com tudo e todos que cruzavam a minha órbita errática; quando meu fraco equilíbrio foi finalmente ultrapassado, estatelei-me no solo.
No caminho da queda vi sorrisos jocosos, em duplicado pela diplopia alcoólica, e dedos apontados em reprovação; ouvia sussurros maldizentes em meio a odiosa música electrónica que insistia em martelar a bigorna.
A partir do toque no terreno não senti mais nada, ouvi dizer que perdera os sentidos e partira para um mundo novo…
Vi-me, então, a cair de um céu negro e sentia o corpo leve, como a planar. Um vento quente parecia abrandar-me a descida. Vestia um smoking já comido pelas traças e calçava umas sandálias de couro castanhas.
Estava rodeado pelos mais exóticos animais, alguns deles já extintos há muito e outros que nem era suposto poderem voar. Todos eles sorriam para mim enquanto dançavam com um copo de cidra na pata/asa e uma cigarrilha no canto da boca. Alguns ofereciam-me mais um “drink”.
No fim da descida fui depositado gentilmente, por quatro borboletas bigodudas, num leito cândido e brilhante rodeado por bips electrónicos.
Acordei.
A visão turva permitiu-me ver um cateter penetrando o meu braço esquerdo, o gráfico do ecg que corria num monitor verde e as grades prateadas às quais tinha as mão atadas. Não reconhecia o símbolo do EPE que me hospedava, mas reconhecia estar num serviço de observação hospitalar.
Sentia-me mal. Parecia ter obras no interior da cabeça realizadas por um conjunto de pedreiros e trolhas estrangeiros que martelavam sem parar os ossos cranianos. Os ouvidos teriam, talvez, uma colmeia de abelhas, tal eram os zumbidos que ouvia. A língua mais seca que o Atacama e o estômago em greve sem pré-aviso. A bexiga estava invadida por um cateter e a televisão transmitia, de perrice, um programa matinal grosseiro.
O coração, esse, estava completamente vazio.
De repente, uma mão quente na testa e a tua voz:
“Idiota!.... tive medo de te perder…”
E embriaguei-me, finalmente.
Luís Fernandes Lisboa ®
9 comentários:
Quando a realidade salva o sonho...
Acontece, e depois pede comemoração!
Estava a ver que ele ía desta para melhor, mas afinal... o melhor veio no fim!
Ó Cat, desta vez, foste tu que andaste a tomar o que não devias :)))
ah... ha... vinguei-me!
bj
A parte do idiota é que era escusada... as mulheres e o seu feitiozinho, que nem deixam escapar uma oportunidade à beira da morte.
cats deixaste-te algaliar? méqué possível? (gostei particularmente do final ;))
Pinguim, mas depois da recuperação ;)
MZ, pois é, eu tb tomo umas coisas estranhas de vez em quando ;)
Johnny, e não ter dito "ó meu cabrãozito", já foi com muita sorte...
Sahaisis, repara que apesar de ser na 1ª pessoa o espécimen não era aqui o amigo. Não é qq artista que me toca o órgão :X
ah ah...isso porque nunca beneficiaste dos meus serviços...tive um colega teu uma vez que me disse "senhora enfermeira, a senhora é um anjo, bem senti nada", que é como se quer :P
Sahaisis, tás a te oferecer para me introduzires uma "argália", jasus, mariajosé!
Enredo inebriante! A personagem com densidade psicológica é cativante. Todos os seus pensamentos em catadupa sob o efeito do álcool são verosímeis e bem descritos.
Gostei do fim. Afinal tudo não passava de um sonho. Mas que sonho!
:)
Apeteceu-te e muito bem... resultou este texto fantástico!
Andas a tomar o mesmo que a MZ... andas andas...
(risos)
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